quarta-feira, 9 de julho de 2008

Poema transitório

Eu que nasci na Era da Fumaça: — trenzinho
vagaroso com vagarosas
paradas
em cada estçãozinha pobre
para comprar
       pastéis
       pés-de-moleque
       sonhos
— principalmente sonhos!
porque as moças da cidade vinham olhar o trem passar:
elas suspirando maravilhosas viagens
e a gente com um desejo súbito de ali ficar morando
sempre… Nisto,
o apito da locomotiva
e o trem se afastando
e o trem arquejando
é preciso partir
é preciso chegar
é preciso partir é preciso chegar… Ah, como esta vida é urgente!
… no entanto
eu gostava era mesmo de partir…
e — até hoje — quando acaso embarco
para alguma parte
acomodo-me no meu lugar
fecho os olhos e sonho:
viajar, viajar
mas para parte nenhuma…
viajar indefinidamente…
como uma nave espacial perdida entre as estrelas

MÁRIO QUINTANA. Poema transitório. p. 77–78. In: Baú de espantos. p. 76–103. In: Quintana de bolso: Rua dos cataventos & outros poemas. Porto Alegre: L&PM, 2006.

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