Estou farto do lirismo comedido
Do lirismo bem comportado
Do lirismo funcionário público com livro de ponto expediente protocolo e manifestações de apreço ao senhor diretor
Estou frato do lirismo que pára e vai averiguar no dicionário o cunho vernáculo de um vocábulo
Abaixo os puristas
Todas as palavras sobretudo os barbarismos universais
Todas as construções sobretudo as sintaxes de exceção
Todos os ritmos sobretudo os inumeráveis
Estou frato do lirismo namorador
político
Raquítico
Sifilítico
De todo lirismo que capitula ao que quer que seja fora de si mesmo.
De resto não é lirismo
Será contabilidade tabela de co-senos secretário do amante exemplar com cem modelos de cartas e as diferentes maneiras de agradar às mulheres, etc.
Quero antes o lirismo dos loucos
O lirismo dos bêbedos
O lirismo difícil e pungente dos bêbedos
O lirismo do clowns de Shakespeare
— Não quero mais saber do lirismo que não é libertação.
MANUEL BANDEIRA. Poética. p. 52–53. In: Meus poemas preferidos. Rio de Janeiro: Ediouro, 2005.
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